A
violência, cada vez mais exposta pela mídia, tem preocupado pais, educadores e
pesquisadores. Acredita-se que a mídia em geral pode influenciar o
comportamento da criança e do adolescente, fazendo com que sejam mais agressivos
ou encarem a violência como algo banal. Por outro lado, muitos dizem não ser
possível responsabilizar os meios de comunicação pelo aumento da violência
entre as crianças, mas sim pela violência praticada contra a infância, contra
os seus direitos como criança e ser humano. Pesquisas mostram que, atualmente,
a tevê é a principal fonte de informação na maioria dos lares. A programação
muitas vezes passa a ser modelo para muitas famílias. Muitos momentos entre
pais e filhos que deveriam ser mais bem aproveitados, como a conversa na hora
do jantar, são substituídos pela televisão, onde muitos passam horas e horas,
inertes. Segundo a psicopedagoga Maria Tereza Pereira de Almeida, “as crianças
ficam cada vez mais tempo em frente à tevê, até mesmo na companhia dos pais,
que apenas assistem aos programas sem se preocuparem com o conteúdo”. Para ela,
as crianças e adolescentes são mais vulneráveis aos apelos televisivos do que
os adultos, sendo também mais facilmente impressionáveis. “Sua personalidade
ainda está em formação e as informações que recebe são entendidas de acordo com
o universo psíquico da criança, incluindo o ambiente em que vive. E estas
influências podem estabelecer padrões de comportamento agressivo ou não”. Nesta
entrevista, Maria Tereza fala da importância do papel da família e da escola na
formação da criança, além dos problemas gerados pelo estresse e pela violência.
A psicopedagoga é pós-graduada pelo Mackenzie, atende crianças com dificuldades
de aprendizagem, além de ser contadora de histórias e bonequeira. A
criança de hoje não brinca mais, passando muitas vezes mais horas em frente ao
computador e à televisão. Ela está cada vez mais se comportando como um adulto? Sim.
A cobrança de que ela se comporte como um adulto é muito grande, mesmo nas
escolas. A família mesmo já não está com tanto tempo para a criança. Pais muito
estressados acabam passando isso para os filhos. As brigas dentro de casa,
enfim, é preciso pensar que as crianças são atingidas não só pela violência que
vem da televisão e da internet. Os pais não podem abandonar a formação da
criança. E as escolas também não. Aliás, a escola poderia ajudar a amenizar
esta situação, ajudando na avaliação do conteúdo da tevê, auxiliando a criança
a fazer escolhas melhores dentro da programação, bem como para ter uma visão
crítica daquilo que assiste. Trabalho com oficinas interativas que ajudam a
desviar o foco que as crianças estão tendo em violência de todo tipo, do que
está passando na televisão e do que elas vêem na internet. Nessas oficinas
trabalho a parte de leitura, criação de bonecos e fantoches, dramatização,
contação de histórias. Tudo que explore a criatividade. A
formação da criança vem de dentro para fora de casa. Isso se dá mesmo com
tantas mudanças na estrutura familiar? Deveria. As agressões dentro da família acontecem
de diversas maneiras. As crianças estão captando tudo que os casais falam.
Principalmente na primeira fase da infância, até os seis anos. É preciso tomar
muito cuidado. As brigas na família podem causar a queda do rendimento escolar.
A criança se torna deprimida e ansiosa. Existe ainda a negligência familiar, os
maus tratos, o abandono por parte do pai, a falta de apoio social, bairros perigosos...
O que elas captam se reflete na adolescência, por exemplo. Basta ver como os
adolescentes estão hoje; eles têm uma série de problemas. E a família, às
vezes, acaba deixando a educação da criança por conta da escola. Tudo é a
escola e a criança tem uma série de atividades além da escola. A escola faz o
trabalho dela, mas e em casa? E os valores passados pela família? Há criança
que tem a agenda cheia, mas como os pais dão atenção a ela, a criança não tem
problemas. Leva tudo muito bem e não sofre de estresse, depressão. A maneira
como a educação da criança é conduzida é que faz a diferença.Existe a
maneira ideal para educar uma criança? É preciso que os pais estejam muito presentes na
vida dos filhos e que passem valores para eles. A escola também pode ajudar na
formação desses valores. Eles precisam ajuda-la na hora de escolher os
programas de televisão que irão assistir, orientando sobre qual o melhor
caminho. As brincadeiras educativas ajudam a criança a trabalhar de acordo com
o mundo psíquico dela. Por exemplo, o menino de rua não tem acesso à televisão
e tem como referência a situação que ele vivencia, que é a da rua, com toda a
violência que existe. Ou seja, não se pode dizer que ele seja influenciado pela
televisão. Por isso não se pode alegar que tudo é por causa da tevê, tudo é por
causa da internet. Vai depender, em parte, da situação de vida de cada um. A
sociedade está com problemas em suas bases e uma dessas bases é a família. Não
se pode dizer que a mídia é a única culpada. E de que maneira a violência e o medo que ela gera,
a maneira como os pais têm lidado com os filhos, o excesso de liberdade e ao
mesmo tempo de proteção, mexem com a cabeça das crianças? Muitas
crianças hoje, por conta destes problemas, sofrem de depressão e síndrome do
pânico, por exemplo. Em alguns casos mais graves, elas precisam até tomar
remédios fortes. Há também crianças hiperativas, agressivas, com insônia,
outras têm pesadelos. Tudo isso é muito grave na infância e a maior parte é
gerada pelo estresse. Se os pais não se trabalharem também, acabam passando
isso para a criança. O estresse acaba inibindo a criatividade natural da
infância. E é a criatividade que ajuda a tornar o indivíduo mais seguro. As
crianças hoje têm muitos problemas de saúde que são de adultos. Muito disso
porque a criatividade e as brincadeiras, que são fundamentais, acabam sendo
inibidas. A terapia ajuda a tratar da pessoa nestes casos? Sim,
mas o papel dos pais é fundamental. Eles devem fazer programas saudáveis com as
crianças; têm tanta coisa boa na cidade, como os parques, as unidades do Sesc.
Não precisa deixar a criança o dia todo em frente à televisão. Às vezes, os
próprios pais estão assistindo à tevê e não estão nem aí para o que a criança
está vendo, para o tipo de programa e se ele vai influenciar a criança. Que
valores estão sendo deixados de lado? O que mais se observa nas crianças é a falta de
solidariedade. Muitas delas não têm valores morais e éticos de compreensão, de
ajudar o amigo. Vemos coisas gravíssimas, principalmente entre os adolescentes.
Como exemplo, o bulling (gozação, agressão, ofensa, humilhação). Isso é muito
grave! E a criança vítima de perseguição dos colegas nem sempre conta para os
pais ou professores por medo, vergonha... O que está acontecendo com as crianças
e adolescentes é um reflexo de toda a situação em que nos encontramos, como
falta de educação de qualidade, abandono, falta de atendimento em saúde de
qualidade, tudo isso afeta as crianças. Se as crianças da classe média estão
sofrendo com isso, imagina as outras? Os valores estão trocados, não se
conversa mais, não se entra num acordo. Você cita a criança de classe média. Quer dizer que
a criança de periferia, que está mais exposta à violência, pode ser mais
influenciada, por exemplo, achando que quem está certo, quem se dá bem, é o
bandido, o traficante? Depende. Se ela tem uma boa estrutura familiar, vai
ter valores e parâmetros, e não vai ser influenciada pelo que é ruim. Tem
tantos projetos educativos voltados para essas crianças que têm dado certo. É
preciso trabalhar a auto-estima delas e dar oportunidade a essas crianças de
ver uma outra realidade.
Dra.
Maria Tereza Pereira de Almeida
Fonte : Daqui Perdizes Pompeia -
Edição 107 - Setembro/2006
Autor : Jornal da Gente